domingo, 31 de maio de 2020

Aquela da embreagem

Nem todos os dias são maravilhosos, mas alguns com certeza são piores que os outros. Após um dia particularmente estressante, em que o Gabriel botou para chorar já às 5:34 hs, AM obviamente, seguiram-se 10 horas de trabalho no banco e mais aula à noite, que ninguém é de ferro. Voltando para casa, fiquei pensando no sanduiche que minha amada esposinha havia deixado pronto para mim. Eis que, a aproximadamente 5 km de casa, escapa o cabo da embreagem. Isto significa que o carro não tem mais embreagem e consequentemente, não há mais como passar as marchas. E eu em movimento. E agora, paro ou não paro ? Paro ou não paro ? Em movimento mesmo fiquei tateando pelo chão, procurando o maldito pedal, já que com o pé eu tinha desistido, de tanto procurar. Parei o maldito carro. Empurrei a marcha para o ponto morto sem embreagem mesmo encostei no acostamento e acendi a luz. Tava lá o desgraçado. Espremido no fundo, onde eu o havia deixado quando ele escapou, mas naquela hora com certeza não devia estar rindo de mim como estava agora, com certeza. Puxei com a mão, mas estava mortinho, mortinho. Se fosse um pneu eu até sabia, sou um cara estudado, mas embreagem ? Após uns 4 seg de indecisão, seguidos por um “algum pobrema aí, tio” de um elemento de língua enrolada, linguagem indefinida mas propósitos nem tanto, tomei uma decisão. Com o carro desligado engatei a segunda e bati a chave. O bicho corcoveou umas treis veis mas depois foi. Vim me embora quase feliz, já que descobri que era possivel inclusive trocar as marchas. Arranhava um pouco, mas afinal... Dava até uma sensação de hidramático, não tem ? Fiquei com medo de deixar o carro na frente de casa, se bem que seria quase engraçado ficar lá de cima acompanhando o ladrão tentando roubar o carro, mas na ultima hora me contive e estabeleci uma estratégia para entrar na garagem. Com rampa, portão e tudo. Passei na frente do portao de casa e acionei o controle, fiz uma volta instantanea no final da rua (não me pergunte como, já que não tinha ré), voltei, entrei direto na garagem (apesar do portao quase me comer – a virada no final da rua não tinha sido tão rápida assim, afinal) e desliguei o bicho (mais uns quatro pinotes). Botei no ponto morto e liguei o carro, afinal com direção hidráulica ficaria mais fácil manobrar e empurrar (não falei que eu era um cara estudado ?) Óbvio que eu não iria tentar passar marchas ali, teria que ser no muque. Entendi finalmente como o zelador consegue enxugar a garagem tão rápido. ELA É INCLINADA. Fantástica para escorrer, mas horrível para empurrar um Santana 97 (eu ainda não havia lhes apresentado o bichinho) de 1,5 ton. morro acima. Pior é que o sapato escorregava, o motor esquentava, e eu empurrava. Tirei sapato e meia e botei o bicho no lugar. Apanhei meus pertences (sapato e meia inclusos) e me arrastei até o elevador. Que piso frio. O marmore na frente do elevador é gelado. Sabe quando a gente fica no chão frio e coloca o pé de lado, meio na lateral ? Pois é, nessa hora chegou a dona Liège, síndica. Pelo nome, preciso dizer mais alguma coisa ? É com acento grave, sim senhor, me lembro que ela falou da última vez. Pois a referida tinha saído para passear com seu cachorrinho às 22:33 hs. Me olhou com uma cara assim como quem pisou em alguma coisa e subiu pelo elevador SOCIAL. COM O CACHORRO. Tudo bem que eu de gravata, paletó no braço, sapatos na mão e de pé tortinho não devo ser propriamente irresistível, mas pelo social, com cachorro ? Subi, larguei a tralha, tomei um banho e fui dormir. Lembro que me senti assim como Átila devia se sentir ao final do dia, excetuando-se o prazer de matar os outros, mas quase mudei de idéia quando a Vivi perguntou: “Lembrou de comer o sanduíche ?” E faltavam umas 4 horas para o primeiro gemido do Gabriel... escrito em 17/10/2003